A festa da acolhida de Jesus, em sua entrada na cidade santa
de Jerusalém. Os gritos de Hosana, iniciados pelas crianças, cujas bocas não
podem se calar, espalham-se pelas ruas e vielas da cidade. Chegou o Rei
esperado, o Filho de Davi, as esperanças se cumpriram! No entanto, o burburinho
das massas não consegue esconder as conspirações correntes, tramadas às
escondidas pelas autoridades políticas e religiosas do tempo. Sabemos que os
acontecimentos se precipitaram, pois, poucos dias depois, bastaram poucas
tratativas, traição, moedas, falsos testemunhos, tudo conduziu à Cruz, onde foi
elevado, fora dos muros da cidade, Jesus de Nazaré! Jesus entrou em Jerusalém
para se entregar, como ato de liberdade de quem não tem a sua vida roubada: “É
por isso que o Pai me ama: porque dou a minha vida. E assim, eu a recebo de
novo. Ninguém me tira a vida, mas eu a dou por própria vontade. Eu tenho poder
de dá-la, como tenho poder de recebê-la de novo. Tal é o encargo que recebi do
meu Pai” (Jo 10, 17-18).
Aproximam-se
sempre os extremos, quando se quer realizar um ato de amor autêntico. E aquele
que assistimos em Jerusalém e arredores traz consigo a salvação oferecida a
todos os homens e mulheres de todos os tempos. Não podemos imaginar redenção
sem derramamento de sangue! (Cf. Hb 9, 22). O preço de nossa salvação foi o
Sangue Redentor de Nosso Senhor Jesus Cristo: “Era o mais desprezado e
abandonado de todos, homem do sofrimento, experimentado na dor, indivíduo de
quem a gente desvia o olhar, repelente, dele nem tomamos conhecimento. Eram na
verdade os nossos sofrimentos que ele carregava, eram as nossas dores, que
levava às costas. E a gente achava que ele era um castigado, alguém por Deus
ferido e massacrado. Mas estava sendo traspassado por causa de nossas
rebeldias, estava sendo esmagado por nossos pecados. O castigo que teríamos de
pagar caiu sobre ele, com os seus ferimentos veio a cura para nós. Como ovelhas
estávamos todos perdidos, cada qual ia em frente por seu caminho. Foi então que
o Senhor fez cair sobre ele o peso dos pecados de todos nós. Oprimido, ele se
rebaixou, nem abriu a boca! Como cordeiro levado ao matadouro ou ovelha diante
do tosquiador, ele ficou calado, sem abrir a boca” (Is 53, 3-7).
De lá para
cá, onde entra a fé em Jesus Cristo é possível aproximar cruz e ressurreição,
dor e amor, tristeza que desemboca em alegria! A origem se encontra no plano de
amor gestado desde a eternidade no seio da Santíssima Trindade, cujo rosto é o
da misericórdia! Mesmo humanamente, não é possível amor autêntico sem saída de
si mesmo, sem a capacidade de perder para oferecer o melhor de si pelo bem dos
outros. Como entender esta aparente contradição? Jesus anunciou por bem três
vezes o desembocar dos acontecimentos, passando ele mesmo pela prisão, tortura,
cruz, morte e ressurreição. Quem é dono do processo se oferece e se entrega,
sem deixar que os fatos o atropelem. Amor de quem vai ao encontro das situações
mais desafiadoras, abraçando todas as dores, a tristeza, o abandono, numa
“paixão” pela miséria! Jesus sabia em que cidade entrava, com pleno
conhecimento dos conflitos ali existentes e das tramas complicadas, onde as
mãos não eram limpas e os pretensos próceres da prática estrita da lei e das normas
sociais e religiosas estavam comprometidos com a decadência reinante. Abraçar o
que existe de mal, para, lá dentro, no mais profundo das crises, entregar-se e
sanar com amor todas as mazelas da humanidade.
Deus não
aguarda a vinda de uma humanidade machucada e ferida, suplicante da expectativa
da benevolência divina, mas se antecipa, indo ao encontro, gratuitamente, de
todas as necessidades humanas. É a misericórdia em ato, na liberdade do dom de
amor. Deus não tem medo de “sujar-se”, saindo de si mesmo. Jesus é aquele que
assume a condição de escravo, obediente até a morte. Sim, ele está pronto para
resgatar da morte a humanidade, justamente com a própria morte. Seria
inadequado acusar o Pai do Céu pela morte do Filho amado! Não se trata de roubo
da vida do Filho, mas uma viagem de amor, para que nenhuma situação humana
fique alheia ao amor de Deus. Dali para frente, todo ato de amor e serviço aos
últimos, aos mais frágeis e pecadores, pode ser acolhido como parte do único
movimento de amor, nascido do seio de amor de Deus que é Pai e Filho e Espírito
Santo. A misericórdia está no mais alto das atitudes divinas e humanas!
Voltemos a
Jerusalém! Quem sabe o que faz acolhe as aclamações e hosanas, mas não se ilude
com elas. Para entrar na cidade, vai sobre a montaria dos pobres, um
jumentinho, e não com um cavalo cheio de enfeites, próprio das autoridades
carregadas de poder. São as roupas das pessoas que servem de homenagem e os
ramos de palmeira sinais de vitória escondida na simplicidade daquele que é
acolhido. Lá dentro do coração do Senhor, certamente se abria o horizonte das
muitas dores que estavam para chegar. Levar em conta a possibilidade e até a
certeza do mistério da dor é sinal de inteligência e realismo. Se de todos se
pode esperar tal percepção, mais ainda do Senhor Jesus, nosso Salvador.
Consequências!
Não ter receio de contar com a vitória de Deus contra a maldade e o pecado. Ele
é o Senhor da História! Haveremos de conviver, tendo diante dos olhos trigo e
joio, quem sabe até angustiados pelos peixes bons e maus existentes nas redes
da vida, com o mistério da iniquidade. Sabemos que ele passa também dentro de
nós e não apenas no limite em que começam a entrar os outros e seus eventuais
dramas ou pecados. As ruas de nossos corações não se recusem a abrir-se
acolhedoras. Não tenhamos receio de mostrar nossas misérias e sujeiras físicas
ou morais, pois estamos certos de que aquele que é misericordioso se apaixonou
pela humanidade que somos nós. E não impeçamos a ninguém o acesso à fonte da
misericórdia, que jorra nas praças de nossa vida de Igreja. Antes, sejamos
missionários portadores do anúncio da misericórdia aos mais sofredores e
pecadores.
Com este
espírito viveremos a Semana Santa que se abre no Domingo de Ramos. Sair de
nossas casas, acompanhar a procissão de Ramos, participar da Santa Missa,
preparar-se para o Tríduo Pascal! É o programa da próxima Semana, a “Semana
Maior”.
Dom Alberto Taveira Corrêa
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