“Comecei a mudar meu conceito sobre o alcoolismo quando passei a tratar de um senhor negro que andava alcoolizado pelas ruas da cidade, apelidado de ‘Chuvisco’. Internei-o para desintoxicar, depois consegui uma vaga para ele no asilo. De vez em quanto ia visitá-lo. Ele estava sem beber, comia bem, tomava banho todos os dias e estava bem vestido,” conta o médico João Carlos Hueb.
Só havia um problema aquele “Chuvisco” brincalhão, que andava pelas ruas, deu lugar a um “Chuvisco” tristonho e cabisbaixo. “Uma vez, quando cheguei ao asilo, a zeladora veio ao meu encontro e contou que ele tinha saído e bebido. Ela esperava que eu lhe aplicasse uma bronca.”
O médico foi ao encontro de “Chuvisco” e encontrou-o sentado na varanda, no centro de uma roda de velhinhos. “Ele estava todo prosa, gesticulando e dando risadas. Era outra pessoa. Como ele não havia me visto, dei as costas e voltei, dando de cara com a zeladora, que me disse: E aí, o senhor deu uma bronca no ‘Chuvisco’? Respondi que não e pedi que ela não falasse nada para ele.”
Nova visão
Hueb pediu que a zeladora deixasse-o sair quando ele quisesse. “Passei a ter uma nova visão do álcool, que em algumas situações é necessário e altamente benéfico para certas pessoas. “Chuvisco” era um negro, sem família, sem emprego, sem casa, enfim, sem nenhuma perspectiva. Que futuro a vida lhe reservou? Nenhum, apenas sofrimento. De repente aparece o álcool, que lhe anestesia a alma e oferece a ele um mundo virtual, cuja fantasia transcende a realidade. Qual o preço disso? Viver uns poucos anos a menos, de uma vida que nem é vida?”
O Pacheco era outro alcoolista de Macatuba. Andava pelas ruas com seus dois cachorros, “Ronaldinho” e “Capeta”. Ele frequentava muito a igreja e sempre que encontrava alguém, ele repetia o que ouvia dos carismáticos. “Jesus te ama, viu? Um dia ele entrou na igreja e seu cachorro ‘Capeta’ entrou atrás. De repente, no meio do maior silêncio, ele começou a gritar: “Sai, ‘Capeta’! Sai, ‘Capeta’. Os católicos levaram o maior susto, achando que alguém estava sendo exorcizado.” Como todos da cidade estavam acostumados a ver o Pacheco dormindo bêbado nas praças, certa manhã ele caiu morto em uma praça e só foram perceber que ele não estava dormindo bêbado no outro dia.
Alcoolismo & miséria familiar
O médico ficava preocupado com os alcoolista que havia na cidade de Macatuba. “Travei uma verdadeira batalha contra esse vício na cidade. Internava os pacientes no hospital durante sete dias para desintoxicação e os medicava para diminuir a compulsão pela bebida. Eles ficavam em torno de um mês sem beber, depois voltavam com tudo na bebida.”
Diante da situação, o médico resolveu levar os Alcoólicos Anônimos para a cidade. “O AA é uma psicoterapia de grupo, em que os frequentadores davam depoimentos de vida. Os alcoólicos que conseguíamos inserir no grupo passavam uma boa temporada sem beber. No início a frequência foi boa, depois restou só um integrante.”
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