4 de janeiro de 2011

Um psiquiatra, uma mala e a prevenção do alcoolismo entre os jovens

No dia seguinte a uma das noites mais festivas do ano, muitos jovens comemoram até à manhã de dia 1. Mas para se divertirem na passagem de ano há um ingrediente obrigatório: o álcool. E há quem esteja atento a este comportamento típico e de risco dos adolescentes. Uma mala cheia de objectos para usar em acções de prevenção de comportamentos de risco. Na rua, no meio dos jovens, junto de pais, de professores e de profissionais de saúde.

A ideia é do médico psiquiatra Luis Patrício, ex-director do Centro das Taipas. Já está registada no Ministério da Cultura. Há sete anos pediu um parecer ao Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT) mas continua sem resposta.

Uma mala de alumínio. Lá dentro, há testes de alcoolémia, imitações de drogas legais e ilegais, preservativos, jogos, vídeos, seringas. Um conjunto de objectos para usar numa acção pedagógica com o objectivo de prevenir comportamentos de risco. Pesa 15 quilos. Quem a transporta é o médico psiquiatra Luis Patrício, ex-director do Centro das Taipas.

É sexta-feira à noite, faz frio mas mesmo assim dezenas de jovens juntam-se para beber nas ruas de Santos, em Lisboa. Sentados nos degraus de casas, em bancos de madeira à porta dos bares, segurando copos de cerveja, garrafas de vinho envoltas em jornais ou papelão. Alguns têm muito menos de 18 anos. É assim todos os fins de semana. É para lá que Luis Patrício se dirige, acompanhado da psicóloga Leonor Santos com quem costuma trabalhar e de outros psicólogos da associação “Outros Olhares” que também intervêm habitualmente na prevenção de comportamentos de risco junto de jovens.

Dados recentes revelados por Augusto Pinto, da Unidade de Alcoologia de Coimbra do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT) indicam que cerca de 80 por cento dos jovens com 15 anos consomem bebidas alcoólicas em Portugal.

De acordo com o II Inquérito Nacional ao Consumo de Substâncias Psicoactivas na População Geral de 2007, a prevalência do consumo de bebidas alcoólicas aumentou entre 2001 e 2007 de 75,6 por cento para 79,1 por cento. No que respeita aos jovens, o mesmo inquérito revela que a proporção da população que iniciou o consumo de bebidas alcoólicas entre os 15 e os 17 anos representava em 2001 cerca de 30 por cento, valor que aumentou para 40 por cento em 2007.

Em Maio, João Goulão, presidente do Instituto da Droga e Toxicodependência (IDT), alertou: "Não há medidas de fiscalização eficazes" para controlar o consumo de álcool entre menores de 16 anos.

Patrícia, de 15 anos, com um copo de cerveja na mão, esclarece: “Nestes bares, ninguém se recusa a vender bebidas alcoólicas aos jovens, nem pedem identificação. Só se for no supermercado, mas aí, há sempre um amigo mais velho a quem pedir para ir comprar”.

A mala de alumínio desperta curiosidade quando Luis Patrício se senta junto de quatro jovens que repartem uma garrafa de vinho branco. Apesar da surpresa inicial, depressa se manifestam receptivos ao diálogo. “Qual é o limite de consumo de álcool a partir do qual há risco?” pergunta o médico. “Dois copos? Três?” respondem os jovens, querendo saber: “Isto é para quê? É para entrarmos num estudo?

Luis Patrício tira algumas cartolinas da mala e propõe-lhes que respondam às perguntas lá escritas: “Porquê que bebes?” Resposta: “Para tirar a sede”. “O álcool não tira a sede” explica o médico. “Por exemplo, bebes meio litro de cerveja, urinas mais, desidratas, aumenta a sede.” “Para aquecer”, responde outro. “O álcool não dá calor, retira o calor e não dá energia nem alimenta”.

Assim o médico vai desmistificando muitas das ideias preconcebidas em relação ao consumo de álcool. “Temos de promover uma revolução cultural profunda porque as pessoas continuam a dizer e a pensar que o álcool é bom e os alcoólicos é que não prestam”, diz, sublinhando: “O álcool é uma droga com a qual podemos ter uma relação em determinado tipo de condições e fora das quais não é possível ter uma relação clara”, nota.

Ao deslocar-se aos locais onde os jovens se encontram e convivem, e com recurso aos objectos que guarda no interior da mala, promove a reflexão e dinamiza conceitos de educação para a saúde face a consumos e a comportamentos de risco.

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